12/06/2009

Tassia Regino lembra de Mário Benedetti

Entierro de Mario Benedetti IIImage by Xanti Revueltas via Flickr
No mês de maio 2009, o mundo perdeu um dos poetas que eu mais lia na época que eu tinha tempo de ler, o Mário Benedetti. Para os que não o conhecem era um grande poeta uruguaio, de 88 anos, sobre cuja morte José Saramago disse no seu blogue: “A dor e o desgosto não adormecerão tão cedo. Havia Benedetti e deixou de haver”. Neste meu gostar do Benedetti tem uma história engraçada: um dos poemas de amor dele que eu mais gostava (e que segue abaixo) chama-se Tática e Estratégia e eu o descobri na mesma época que eu estava fazendo minha “Formação Política”. Naquela époc a, usava-se muito a linguagem militar para a análise do mundo e aprender o conceito de tática e estratégia era uma coisa básica nos meios militantes. Muito bem, eu, esta pessoa “tímida”, que vocês conhecem nunca fiz a relação entre os dois aprendizados ( o do poema e o da política), porque eu morria de vergonha que alguém dissesse que o Mário Benedetti não tinha usado o conceito militarmente/ politicamente correto ! Hoje, à distância, acho que ele usa o conceito chamado correto, mas os que entendem mais do assunto poderão ler abaixo e se posicionar. Escolhi para abrir a homenagem a ele, que compartilho com vocês, o poema que mais gosto e com o qual eu mais me identifico, que se chama “Defesa da Alegria”, qu e é o grupo de humanos no qual eu milito atualmente. Depois vem “Tática e Estratégia” (que já falei ) e em seguida, têm alguns outros, incluindo “Ao Meu Amigo”, que dedico a vocês; e “Memorando”, que é um “poema-listinha-de-tarefas”, a cara de uma virginiana. Assim, espero que vocês gostem do Benedetti que tantas ternura me causou, e com estes lindos poemas desejo a vocês um Bom Final de Semana de “Defesa da Alegria”. DEFESA DA ALEGRIA Defender a alegria como uma trincheira defendê-la do escândalo e da rotina da miséria e dos miseráveis das ausências transitórias e das definitivas Defender a alegria como um princípio defendê-la do pasmo e dos pesadelos dos neutros e dos neutrons das infâmias doces e dos diagnósticos graves Defender a alegria com uma bandeira defendê-la do raio e da melancolia dos ingênuos e dos canalhas da retórica e das paragens cardíacas das endemias e das academias Defender a alegria como um destino defendê-la do fogo e dos bombeiros dos suicidas e dos homicidas das férias e do tédio da obrigação de estarmos alegres Defender a alegria como um certeza Defendê-la do óxido e da manha Da famosa ilusão do tempo Do negligente e do oportunismo Dos proxenetas do riso Defender a alegria como um direito Defendê-la de deus e do Inverno Das maiúsculas e da morte Dos apelidos e dos lamentos Do azar e também da alegria [in Antología poética, Alianza Editorial, 1999] (tradução livre da responsabilidade do autor do blogue http://pimentanegra.blogspot.com) TÁTICA E ESTRATÉGIA Minha tática é olhar-te aprender como és querer-te como és minha tática é falar-te e escutar-te construir com palavras uma ponte indestrutível minha tática é ficar em tua lembrança não sei como nem sei com que pretexto mas ficar-me em vós minha tática é ser franco e saber que és franca e que não nos vendamos simulacros para que entre os dois não haja cortina nem abismos minha estratégia é por outro lado mais profunda e mais simples minha estratégia é que um dia qualquer não sei como nem sei com que pretexto por fim me necessites AO MEU AMIGO Estou orgulhoso e feliz de ser seu amigo. Te quero, e mereces que te queira muito mais. Em ti não há necessidade de explicações Te equivocastes? Não importa. Aproveita a experiência e retifica o caminho Não estou aqui para julgar teus atos mas sim para entender suas razões. Viemos ao mundo para compartilhar a vida. Te respeito, acima de todas as coisas não me deves nada. Te quero, portanto sois livre. O amor não pode ter correntes. MEMORANDO Um chegar e incorporar-se o dia Dois respirar para subir a ladeira Três não jogar-se em uma única aposta Quatro escapar da melancolia Cinco aprender a nova geografia Seis não ficar nunca sem a sesta Sete o futuro não será uma festa E oito não acovardar-se ainda Nove sabe-se lá quem é o forte Dez não deixar que a paciência ceda Onze cuidar-se da boa sorte Doze guardar a última moeda Treze não ter intimidade com a morte Quatorze desfrutar enquanto possas POR QUE CANTAMOS Se cada hora vem com sua morte se o tempo é um covil de ladrões os ares já não são tão bons ares e a vida é nada mais que um alvo móvel você perguntara por que cantamos se nossos bravos ficam sem abraço a pátria está morrendo de tristeza e o coração do homem se fez cacos antes mesmo de explodir a vergonha você perguntará por que cantamos se estamos longe como um horizonte se lá ficaram árvores e céu se cada noite é sempre alguma ausência e cada despertar um desencontro você perguntará por que cantamos cantamos porque o rio está soando e quando soa o rio / soa o rio cantamos porque o cruel não tem nome embora tenha nome seu destino cantamos pela infância e porque tudo e porque algum futuro e porque o povo cantamos porque os sobreviventes e nossos mortos querem que cantemos cantamos porque o grito só não basta e já não basta o pranto nem a raiva cantamos porque cremos nessa gente e porque venceremos a derrota cantamos porque o sol nos reconhece e porque o campo cheira a primavera e porque nesse talo e lá no fruto cada pergunta tem a sua resposta cantamos porque chove sobre o sulco e somos militantes desta vida e porque não podemos nem queremos deixar que a canção se torne cinzas (Do livro "Inventário"/ Tradução de Julio Luís Gehlen) SOU MEU HÓSPEDE Sou meu hóspede noturno em doses mínimas e uso a noite para despojar-me da modéstia e outras vaidades procuro ser tratado sem os prejuízos das boas-vindas e com as cortesias do silêncio não coleciono padeceres nem os sarcasmos que deixam marca sou tão-só meu hóspede e trago uma pomba que não é sinal de paz mas sim pomba como hóspede estritamente meu no quadro negro da noite faço uma linha branca depois assopro minha brisa e os postigos e os ramos tremem como hóspede de mim sei de mim o que penso não é grande coisa armo minhas barricadas contra o sono muito embora o sono as derrube sou meu hóspede por que negá-lo mas às vezes também sou um estranho de mim quando meu rústico anfitrião me olha sinto que estou sobrando e saio fora (Do livro "Perguntas ao acaso"/ Tradução de Julio Luís Gehlen) Mario Benedetti / Notas Biográficas Nasceu no Uruguay em 1920. Grande conhecedor da América Latina e de sua literatura, sobre a qual escreveu muitos trabalhos críticos, como Letras do continente mestiço. Dramaturgo, poeta, ensaista e novelista, Mario Benedetti logrou boa parte de sua popularidade com seus contos: Esta manhã (1949), A última viagem (1951), Montevideanos (1959), A morte e suas surpresas (1968), Geografias (1984), e outros - nos quais captou aguda e sutilmente os pequenos fatos da vida cotidiana do homem comum de seu pais. Seu sólido prestígio de escritor repousa também em sua poesia - são célebres seus Poemas de escritório (1956) - e suas novelas, entre as quais há transcedido sobre tudo com A trégua (1960). Morreu aos 88 anos
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