06/06/2009

Meio ambiente

Tubarão voadorImage by Henrique Costa via Flickr

A LÓGICA DO TUBARÃO Mario Sergio Cortella (publicado na FSP / 5 de junho de 2003 – Caderno Equilíbrio) Tudo que é Natureza é arte que desconheces; / Tudo que é acaso é direcionamento que não podes ver; / Tudo que é discordância é harmonia não compreendida Todas as vezes em que se fala sobre a incrível capacidade humana de dominar a natureza -como os elogios de praxe à nossa inventividade e poderio e, mais ainda, o orgulho de uma racionalidade que se aproxima da petulância-, Benauro Roberto de Oliveira, um paulista estudioso da história natural e social, conta e reconta em suas competentes e concorridas aulas uma das lendárias manifestações que cercam a personalidade de Jacques-Yves Cousteau, o francês que se tornou o maior dos oceanógrafos do século 20. Dizem que um jovem jornalista entrevistava Cousteau sobre o nosso temor aos tubarões e desejava saber quais as chances de um de nós escapar no enfrentamento direto com um desses estupendos animais. O cientista respondeu que as probabilidades de sair ileso eram nulas. O jornalista não se satisfez, e perguntou, em sequência, se o tubarão atacaria se já estivesse alimentado, se fosse de noite, se estivéssemos numa jaula, se fossemos muitos, se carregássemos um arpão, se entregássemos alguma isca etc. A cada pergunta, a resposta de Cousteau era a mesma: o bicho atacará de qualquer modo. Irritado, o jovem bradou: mas isso não tem lógica! Com paciência, o genial pesquisador dos mares retrucou: "Tem, sim, mas é a lógica do tubarão.". É preciso lembrar insistentemente a sabedoria emanada dos muitos modos como a vida se expressa no planeta no qual habitamos (e que muitos preferem chamar de "nosso" planeta, com uma dissimulada satisfação de dono): não somos proprietários, e sim usuários compartilhantes. Podemos, em alguns momentos da nossa história, imaginar que controlamos, dominamos e possuímos sem restrições tudo que nesta terra está, com uma ilusão fugaz de invulnerável soberania. Basta indagar: quais foram, na percepção humana, os animais mais espetaculares e poderosos deste planeta antes de nós? Os dinossauros! Tiveram hegemonia e vigor exuberante por mais de 110 milhões de anos e desapareceram há mais de 60 milhões de anos antes de aparecer qualquer dos ancestrais mais próximos dos hominídeos. Cento e dez milhões de anos de poderio! No entanto onde estão hoje esses possantes seres? No tanque do teu carro, no material que faz o carpete sob a tua cadeira, na tinta que imprime o jornal que lês, na tampa da garrafa d'água que seguras, na frágil e banal bolinha de pingue-pongue. Viraram combustível fóssil e matéria-prima! E nós, dominando há apenas 40.000 anos, achamos poder fazer qualquer coisa. Degradar o ambiente, esgotar os recursos, conspurcar a atmosfera, corromper a vitalidade, depravar a convivência biológica, aviltar o equilíbrio natural. Alexander Pope, o mais importante poeta inglês do século 18 (e autor de tradução em verso da "Ilíada" e da "Odisséia"), escreveu em 1734 o "Ensaio Sobre o Homem" e nele nos adverte contra a arrogância antropocêntrica: Tudo que é Natureza é arte que desconheces; / Tudo que é acaso é direcionamento que não podes ver; / Tudo que é discordância é harmonia não compreendida; / Tudo que é mal parcial é bem universal. E se, em um pesadelo (infantil?) inspirado no romance "A Metamorfose", de Franz Kafka, no qual um homem acorda um dia transformado em um descomunal inseto, invertermos a lógica do escritor e um de nós for visitado pelos insetos que proporcionalmente cabem a cada uma das pessoas no planeta? A ciência calcula que, para cada ser humano na Terra, existem 7 bilhões de insetos! Imaginemos, mesmo em delírio reflexivo, se só os que te "pertencem" viessem te procurar dizendo: Qual é? O que estão fazendo com o lugar que partilhamos? Basta de insultar o nosso abrigo comum e arriscar a proteção da simbiose! Não tem lógica? MARIO SERGIO CORTELLA, filósofo, professor da PUC-SP, autor de "A Escola e o Conhecimento: Fundamentos Epistemológicos e Políticos" (ed. Cortez/IPF), entre outros. Nota deste blogueiro: Este cara é genial.
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