Posto aqui, um texto homenagem aos Pais, escrito por nossa colaboradora Tássia Regino.
Queridos
Amigos e Amigas,
Hoje
experimentei uma prova prática de que esta minha condição atual de ler menos faz
a gente menos criativa e diminui o nosso repertório.
Estou
dizendo isto porque ao escolher meu jeito de homenagear o Dia dos Pais, vi que
estou repetindo a inspiração e um autor.
Neste
caso, a inspiração é de novo a Marina, nossa neta, e a dinâmica de seus pais
jovens e o autor repetido é o Antonio Prata (o atual campeão de
compartilhamentos dos meus e-mails! rs rs).
Pensei
em mudar, mas decidi não fazer isso. Gostei tanto dos dois textos que escolhi e
a inspiração vem de alguém que me faz tão bem, que preferi compartilhar com
vocês. Além disso, o segundo autor apareceu poucas vezes por aqui, fazendo que
pelo menos alguma coisa neste email seja inédita! rs rs
Os
textos que escolhi são duas crônicas recentes em que os autores falam da “dureza
e delícia” de ser pai de bebês e de acompanhar “o
desabrochar de pequenos seres humanos feitos com metade dos meus genes e metade
dos genes da mulher amada”, nas palavras do Prata.
Quando
li as duas pensei bastante em Pedro, o Pai da Marina. Na verdade, também pensei
na mãe da Marina: sempre que olho a lida deles eu penso que ainda bem que eles
decidiram ter filho jovens, porque precisa ter muita energia, como mostram os
pais-escritores! rs rs
Na
primeira crônica, engraçada já no título (Dormir É Para Os Fracos), o Antonio
Prata traz o que ele chama “ catorze constatações a partir da paternidade”,
entre elas a de que “antes
de ter filhos, eu era um vagabundo que ficava reclamando, sem razão, de não ter
tempo pra nada”.
Segundo ele, “se
hoje me dessem três meses com o tempo livre que eu tinha há dois anos, eu
conseguiria aprender esperanto, escrever "Anna Karenina” e treinar pro
Ironman”
A
segunda crônica, linda, é do Marcelo Rubens Paiva, que começa dizendo que
“quando
nasceu meu filho, alguém disse: ´É o filé-mignon da vida´”.
E ao final ele conclui: “Não é apenas o filé-mignon. É o rebanho
todo.”
As
duas crônicas são o meu jeito de homenagear todos os pais, de todas as idades,
presentes e ausentes e de dividir com vocês esta homenagem. Espero que vocês
gostem, que celebrem seus pais e os seus amigos-pais e tenham uma ótima semana,
se encontrando com a parte leve da vida!
Abraços a tod@s e parabéns aos que são Pais!
Tássia
PS:
Prá quem quiser ler mais sobre o assunto, saiu um crônica legal do Joao Pereira
Coutinho, Pai aos 40.
DORMIR
É PARA OS FRACOS
Antonio
Prata
Folha
de São Paulo - 19/07/2015 02h00
Catorze
constatações a partir da paternidade: uma crônica de autoajuda para os que
pretendem procriar –ou talvez, mais ainda, para os que não pretendem.
1)
Antes de ter filhos, eu era um vagabundo que ficava reclamando, sem razão, de
não ter tempo pra nada.
2)
Depois de ter filhos, eu sou um pobre diabo que fica reclamando, com razão, de
não ter tempo pra nada. (Se hoje me dessem três meses com o tempo livre que eu
tinha há dois anos, eu conseguiria aprender esperanto, escrever "Anna Karenina"
e treinar pro Ironman).
3)
Se eu tivesse um minuto pra pensar a respeito da paternidade, provavelmente me
daria conta de que estou vivendo um dos momentos mais gloriosos da minha breve
passagem sobre a terra: estou acompanhando o desabrochar de pequenos seres
humanos feitos com metade dos meus genes e metade dos genes da mulher
amada.
4)
Se eu não tenho um minuto pra pensar a respeito da paternidade, é porque estou
exercendo a paternidade, o que significa, entre outras coisas: tentar evitar que
um desses pequenos seres humanos ponha na boca a mão que acabou de meter na
fralda suja de cocô; tentar convencer o outro pequeno ser humano de que não dá
para vermos o caranguejo agora, pois o caranguejo mora em Ubatuba, nós moramos
em São Paulo –e são duas e trinta e sete da manhã. Tais atividades, convenhamos,
deixam pouco espaço para a contemplação.
5)
Felizmente, devido a uma simpática trapaça cognitiva, pregada pela seleção
natural, o cocô dos nossos filhos nos parece muitíssimo menos repulsivo do que
os cocôs do resto da humanidade. (Infelizmente, não a ponto de nos esquecermos
que aquilo na fralda, nas costas, nas pernas ou na mão do pequeno ser humano
continua sendo cocô.)
6)
Depois de ter filhos, os minutos destinados ao próprio cocô se transformam num
raro e beatífico momento de paz, pelo qual os jovens pais anseiam como um monge
por sua meditação.
7)
(Não é incomum pais neófitos simularem dores de barriga para poderem se trancar
no banheiro várias vezes ao dia e: ler rótulo de creme hidratante, dar "like" na
foto do gato da prima, fitar os azulejos num torpor quase místico).
8)
Ninando um bebê, me descubro capaz de executar funções com partes do meu corpo
que, até ter filhos, julgava completamente ineptas. Consigo abrir e fechar uma
maçaneta com o cotovelo –sem fazer barulho. Consigo regular o "dimmer" com a
bunda. Consigo abrir e fechar o mosquiteiro com o nariz. Coço o queixo na
estante de livros, as costas no armário embutido, a testa no prato da samambaia.
Se tiver uma única mão livre, posso fazer o solo de bateria do John Bonham em
"Moby Dick", de trás pra frente –só não faço porque iria acordar o bebê.
9) Antes de ter filhos, eu achava o fim da picada pais que trabalhavam com: babá, biscoito recheado, televisão no carro.
9) Antes de ter filhos, eu achava o fim da picada pais que trabalhavam com: babá, biscoito recheado, televisão no carro.
10)
Hoje, procuro uma folguista pro fim de semana (pago metade do meu salário e dou
meu carro como bonificação), negócio "Só mais uma, já é o terceiro pacote!" e
imploro "Não chora! Olha o filme do Senhor Batata! A Menina Moleca! A Galinha
Pintadinha!".
11)
Galinha Pintadinha é a imagem da Besta.
12)
Galinha Pintadinha é uma bênção divina.
13)
Dormir é para os fracos.
14)
Eu sou fraco.
A
VIDA
Marcelo
Rubens Paiva
Quando
nasceu meu filho, alguém disse: “É o filé-mignon da vida”. Mas
ela fica cada dia mais caótica. Dizem que só “melhora”. O que será
“melhorar”?
Talvez
nos acostumemos. Tomara. Minha mãe teve cinco! Passei a perdoá-la no que
classifico como baixa participação na aflição afetiva dos filhos.
Amanhece.
Passo a viver com meu duplo: o eu e um outro, o eu e o papai. Ele não acordou.
Nem dou a descarga. Não escovo os dentes. Ando pela casa lentamente em silêncio.
Dizem que audição é o sentido mais aprimorado de um bebê. Me acostumei a andar
como um gato, sem esbarrar em nada. Telefones no mudo. Computadores com
alto-falantes em 0%.
Pressa.
É a chance de tomarmos o café da manhã sem precisarmos reparti-lo com o pequeno
e curioso sujeitinho que vive conosco há um ano e meio e, se dermos sorte,
lermos o jornal de cabo a rabo. Artigos longos ficam para “quem
sabe…”
Não
demora. O pequeno cidadão sente o deslocamento de ar da casa. Acorda. Não posso
reclamar. O filho que dorme antes dos pais e acorda depois começa a falar
sozinho no berço, a cantar. E torço para ele continuar se entretendo. Dizem que
melhora a concentração.
Então
escuto: “Pá?” Depois vem a primeira palavra que aprendeu, por culpa minha, que
sussurrava direto no seu ouvido, torcendo para ser a primeira palavra a aprender
(e não deu outra): “Papá?” Interessante como a forma de me chamar é uma
pergunta: “Pá pá?”. Por que quer saber se estou pela redondeza. E se sofisticou:
“Pai?” E virou: “Papaiiii?”
Eu
deveria ter ensinado: “Mamã”. Calma, um segundo. Corro pela casa. Xícaras,
pratos, talheres, copos, telefones, mouses e teclados nos fundos das mesas.
Celular fora do campo de visão. Controles remotos na gaveta. Portas da cozinha e
banheiros fechadas. Eu não sabia que bebês curtiam molhar a mão em privadas.
Todas elas agora têm lacre. Todas as gavetas têm lacre. Checar se todas estão
lacradas.
“Papaiii!?”
Já vai. Checar protetores nas tomadas, carregadores, espuma nas portas. Guardar
pilhas e moedas. A paciência dele se esgota. Então tá… Abro a porta:
bom-dia.
O
quarto escurinho tem aquele cheiro de leite com pomada e sabonete neutro. Ele
está em pé no berço e fica felicíssimo. Me mostra seu brinquedo, um boneco
Piu-Piu gigante, quem tenho que cumprimentar, com quem ele dorme, que na verdade
foi da minha mulher.
Abro
a cortina blecaute. A luz o cega. Sinto aquele bafo matinal. Como uma pequena
criatura pode ter já um bafo tão potente? Tem remela, cabelos amassados, olhos
inchados. Acorda como qualquer adulto. A diferença é que acorda sempre num
colossal bom-humor, como se a vida fosse a melhor coisa do mundo, uma eterna
brincadeira, a descoberta constante, que ele adora.
Acender,
apagar a luz e ligar um ventilador dão a sensação de êxtase pelo poder e
controle de forças invisíveis. Mamadeira, ele aponta. Comer é crucial. Ele anda
pela casa sugando. Estou lendo jornal. Ele aparece ao meu lado, arranca-o numa
velocidade incrível e volta à mamadeira. Peço meu jornal de volta. É uma
negociação educada. Ele devolve e some.
Estar
quieto demais não é salvação, é problema. Alguém vai logo checar. O que ele está
aprontando? Estar quieto é aprontar. Está bebendo shampoo, desenrolando papel
higiênico, tirando livros da estante ou esvaziando a lixeira. “Não pode!” Chora.
Estou
no teclado, ele reaparece, aperta o enter, some meu texto da tela. Ele volta a
mamar e some. Toca o telefone. Atendo. Ele reaparecer, puxa o telefone, que cai
no chão. “Não pode!” Caiu a linha.
Ele
cai no chão. Bateu a cabeça. Chora. É uma média de quatro tombos por dia. Fala
pela casa: “Bru bur u”. “Tá pê-pê-pê”. Faz variações da palavra “meme”. Então
vem: “Papai te? Papa i Uh, dei ber ti… Umaba tuiu”
“Sei”,
repondo, enquanto trabalho. “Ti tá… ti tá… ti tá…”, começa a série de
repetições. Respondo: “Jura?” “Sério?” “Nossa…” Gargalha. E passa a empurrar
coisas pela casa. Me bloqueia com móveis: uma barricada. Tento tomar um café.
Ninguém se lembra onde está a bandeja com as cápsulas, várias vezes derrubada
por ele.
Meu
celular, bobeei, sumiu. Estava carregando. Ele descobre a minha carteira,
desmonta e espalha os cartões de crédito pela casa. Como ele descobriu que
aquilo é tão importante para mim? Claro. Viu papaiiii sacá-la várias vezes e
comprar coisas com aqueles cartões. Se é importante para o papaiii, é para
ele.
E
bacana é brincar com as coisas importantes do papai. Sumiu com meu mouse.
Bobeei. Fico sem trabalhar até encontra-lo. Outro dia, o encontraram na cesta de
roupa suja. Com tudo que é importante para o papai, ele some.
Vai
para a escola, e sinto saudades. Esbarro em brinquedos que começam a tocar
sozinhos. Tem um que faz “uiii!”. Tomo um baita susto e vejo um troço amarelo
piscando no formato de um mini andador que ri de mim. Sem querer atropelo um
ursinho que diz “barriga”, “você é meu amigo”, e pede “me dá um abraço”. Na pia,
tem uma zebra, uma girava e um leão, todos de plástico do mesmo tamanho e
vesgos.
O
moleque volta animado: “Êeeeeeeee”. E cai no chão. Bate a cabeça. Chora. Vem a
jornada de caça aos gatos. O mais velho, paciente, aceita a aproximação. O mais
novo, adotado, cuja infância não sabemos por qual inferno passou, não quer
saber.
Momento
do cadê, “achô”, cadê, “achô”, que dura uns 20 minutos. Pelo corredor, costuma
correr e gritar: “Êeeeeeeee”. Às vezes vou junto gritando o “Ê”. Quando vão
banhá-lo, ele vem peladinho se mostrar. Faz xixi no chão. Só eu e ele achamos
graça. Ele dança sobre o xixi. Só eu e ele rimos. Mostramos o umbigo um para o
outro, o barrigão, batemos no barrigão. Ele escorrega no xixi, cai e
chora.
Anoitece.
Tentamos ver os telejornais. Ele desliga a TV, ligamos, desliga, ligamos, ele a
tira da tomada, desistimos. Há meses não vemos telejornais.
Começa
a coçar os olhinhos. Vamos nanar? Ele faz não com a cabeça. Levo para o berço.
Fico ao seu lado no escuro. Ele sussurra: “Pá-pá… pá-pá…” Deita, fala um
pouquinho, canta baixinho e sussurra: “Pá-pá…” Amanhã tem mais. Não é apenas o
filé-mignon. É o rebanho todo.
Passo
à noite com saudades.
Na
manhã seguinte, fico esperando ele acordar, para recomeçarmos a viver. Para
acha-la uma grande brincadeira.
Um comentário:
Justo o que eu procurava sobre cortina blecaute
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