03/08/2014

Ariano Suassuna, iluminado.

Por TÁSSIA REGINO

Mais um ser humano queridíssimo e iluminado a homenagear, porque nos deixou! E desta vez é uma perda quase familiar, do tanto que eu gostava do Ariano.
No meio da pancada que é a perda, pensei em duas coisas que podem ser sem importância nenhuma: ainda bem que eu vi ao vivo uma Aula Espetáculo dele e isto ficará comigo pra sempre; e ainda bem que Pernambucano é agradecido e antecipado e conseguiu homenageá-lo em vida na nossa maior festa (Ariano foi o homenageado do Galo da Madrugada, no Carnaval do Recife deste ano!).
Antes que alguém me fale que ele é paraibano, quero deixar registrado aqui o depoimento dele, que o torna meu conterrâneo integral: "A Paraíba é meu estado materno e Pernambuco meu estado paterno." Segundo ele, só depois que chegou a esta equação conseguiu se "libertar dessa dilaceração que desde os 15 anos me perturbava".
Afora tudo que todo mundo já sabe dele, o fato é que ele era uma figura!!! Lembro dele na faculdade com as roupas feitas por costureiras locais, em geral de uma cor só e depois com o seu traje de festas: Terno preto e camisa vermelha (Sport Fino, dizia ele, rubronegro fanático. Ninguém perfeito ! rs rs). Uma figura sempre! Como quando ele fala do amor pela mulher Zélia: "(Zelia) Foi um encontro fundamental para mim. Até o ano de 1951 eu só escrevia tragédia. (....) Depois de conhecer Zélia e entrar no Teatro do Estudante foi que comecei a usar esta veia cômica." Gente, pra mim, isto é o máximo de declaração de amor: ela trouxe o sorriso prá minha obra!
A soma das duas partes, o homem e o artista, faz dele uma dessas pessoas que a gente gosta, tanto pela vida quanto pela obra. 
Na parte da obra, acho impressionante, como ele era universal falando a partir do seu mundo e do sertão especialmente. Era uma arte produzida a partir da vida, mas diferente dela, como ele mesmo dizia: "Eu acho que a arte, por natureza, não é uma imitação do real, é uma recriação. (...) Se fosse para imitar a realidade do dia a dia, melhor seria ficar com a própria realidade". A versão menos séria desta tese ele defendia quando se dizia "um mentiroso que mente por amor a arte" ou quando falava "na minha vida não acontece nada. Se eu não mentir, o que é que eu vou contar?". Noves fora o humor, ele tinha uma frase muito bonita sobre sua missão como artista: "A gente escreve pra celebrar a vida e protestar contra a morte".
No quesito das coisas da vida tem algumas coisas ditas por ele (diretamente ou por seus personagens) que eu listo entre algumas das minhas filosofias de vida: "Quem gosta de tristeza é o diabo" (do Alto da Compadecida) e "Tenho duas armas para lutar (...) o riso a cavalo e o galope do sonho. É com isso que enfrento essa dura e fascinante tarefa de viver." E agora, no meio das homenagens, aprendi mais uma que vou adotar: "Nunca me perguntaram se eu queria nascer. Mas eu gostei tanto, que eu voltaria cem vezes"
E neste quesito da vida, sem duvida, uma coisa sobre a qual ele pensou muito foi sobre a morte. Acho que ele estava preparado, ou pelo menos, que fez um bom acordo com Caetana. Pra quem não sabe, trago as palavras dele para explicar: "na minha terra, o interior da Paraíba, a morte é uma mulher e tem nome: se chama Caetana. Alias, é o único jeito de eu aceitar esta maldita: que quando venha seja uma mulher e bonita". A Leda Alves, secretaria de Cultura de Pernambuco disse que em sua última aula-espetáculo, na 6ª feira passada, em Garanhuns, ele falou sobre sua morte de uma forma diferente: "No fim da aula, ele sempre diz: ´Não pensem não. Eu não vou morrer, eu me escondo da Caetana. Ela não vai me encontrar´. Mas, desta vez, ele disse assim: ‘Eu sei que vou morrer, mas meus personagens ficarão todos com vocês´". Eu acho, de verdade, que ele tinha feito um acordo consigo, bem falado na frase da ultima aula ( que tem a ver com a obra), mas também em outra frase que tem a ver com a vida: "O homem nasceu para a imortalidade. A morte foi um acidente de percurso. Mas depois que eu me tornei pai e avô, descobri que a família é quase uma imortalidade, porque é uma continuidade"
O fato é que mesmo naquilo que a gente divergia dele era bom ter aquela inteligência do outro lado, prá melhor o nosso argumento. E agora os personagens dele ficarão com a gente, o próprio personagem que ele foi também ficará, mas nós mesmos ficamos sem ele, e por isso, ficamos mais pobres. Mas mesmo triste, prefiro celebrar a alegria trazida por ele !

ALGUMAS FRASES CÉLEBRES DO ARIANO:

SOBRE ELE E A VIDA

“Dizem que todas as pessoas têm um lado bonito. Então acho que sou um círculo”.
"Que eu não perca a vontade de ter grandes amigos, mesmo sabendo que, com as voltas do mundo, eles acabam indo embora de nossas vidas."
"A alma humana divide-se no hemisfério rei e no hemisfério palhaço. O que há de trágico é ligado ao primeiro, e o que há de cômico, ao segundo. O hemisfério rei se complementa com o hemisfério profeta. O hemisfério poeta, com o palhaço. No meu entender o ser humano tem duas saídas para enfrentar o trágico da existência: o sonho e o riso", em entrevista à Folha em 2005.
 “Em duas coisas eu acredito: no sonho e na força do povo”
"Não sou otimista nem pessimista. Acho os primeiros ingênuos e os segundos, amargos. Eu procuro ser realista esperançoso.."
“Eu sou um homem da esperança. Não como a maioria dos velhos, que dizem: “No meu tempo era tudo melhor.” Eu acho que no meu tempo era tudo pior. Melhorou muito. O que me angustia no Brasil, principalmente, é esse abismo entre o país dos privilegiados e dos despossuídos. E olha que está bem melhor, pois baixou a taxa dos que estão abaixo da linha da pobreza para a mais baixa da história brasileira. Ainda assim é um horror (...). Mas isso alenta minha esperança (...).”
"Eu digo sempre que das três virtudes teologais, sou fraco na fé e fraco na qualidade, só me resta a esperança."
"Um marco de minha vida foi a leitura de uma frase d'Os Irmãos Karamazov': 'Se Deus não existe, tudo é permitido'. Sartre tirou essa dúvida, porque a frase é duvidosa. Ele disse: 'Deus não existe, portanto tudo é permitido'. Eu tirei a conclusão contrária, eu digo que nem tudo é permitido e portanto Deus existe. Ou a norma moral tem um fundamento absoluto, ou ficaria ao sabor da opinião individual de todo mundo, inclusive de estupradores e assassinos", em entrevista à Folha em 2012.
 “Quem gosta de ler não morre só”
 “Terceira idade é para fruta: tem a verde, a madura e a podre”

“A humanidade se divide em dois grupos: os que concordam comigo e os equivocados”  (este modesto blogueiro concorda )

A obra que ilustra o texto é de Thiago Amorim. "Mulher Vestida de Sol"  

Nenhum comentário: