Eu
estava no meu pouco tempo de folga buscando fazer um email de homenagem ao Pablo
Neruda, que teria feito 110 anos no ultimo dia 12 de julho.
Ainda nao tinha
conseguido terminar, quando veio a noticia desta perda enorme do João Ubaldo
Ribeiro, que vocês já sabem o tanto que eu sou fã.
Numa
entrevista recente, ele havia dito não temer a velhice, nem a morte. “quem
não morre fica velho. Depois de certa idade, esse negócio de mortalidade fica
complicado". Prá ele podia estar bem resolvido, mas prá gente é uma pena e
uma perda.
Ler
João Ubaldo era um dos meus programas prediletos nos domingos, mesmo nem sempre
concordando com ele, especialmente se o tema era política. Mas a inteligência do
texto compensava a divergência de opinião. Neste período da copa ele foi um dos
que mais trouxe coisas legais para refletir (e especialmente engraçadas). Aliás,
fiquei sabendo que na final da copa, como eu, ele torceu pela Alemanha (já que
perdemos, que seja para o campeão), com a justificativa que tinha um neto alemão
(neto que segundo ele chorava em português e alemão! rs).
O
fato é que fiquei tão impactada com a perda que mudei o assunto do meu email pro
João Ubaldo.
Gosto
muito dos seus romances, mas romance não dá pra ser lido assim, rapidinho. Então
pra homenageá-lo, neste momento triste, escolhi trazer pra dividir com vocês a
alegria dele - uma de suas marcas. Escolhi
algumas das minhas crônicas preferidas, todas com a marca do seu humor
ferino:
Alegrias
da Paternidade,
onde ele fala do consumismo associado às datas comemorativas e diz (e Ortega dá
toda razão a ele) que "inventaram esse negócio de Dia dos Pais, Dia das
Mães, Dia dos Namorados e assemelhados com o exclusivo propósito de atanazar o
juízo do grupo, numeroso porém desprezado, em que me integro, ou seja, o dos que
acham essas datas apenas ocasiões para exercícios de sadomasoquismo e
solapamento da já combalida estrutura familiar”; e
O
Verbo For na
qual (a propósito do vestibular) ele começa com uma autogozacao: "Já estou
chegando, ou já cheguei, à altura da vida em que tudo de bom era no meu tempo;
meu e dos outros coroas."
Pra
finalizar, coloquei a ultima crônica que ele escreveu, com uma abordagem critica
e engraçada da aplicação da Lei da Palmada, onde ele diz que do jeito que a
coisa vai,
Espero
que vocês gostem da seleção e sintonizem na vibração destas homenagens tão
merecidas: VIVA JOÃO UBALDO E VIVA O POVO BRASILEIRO !
Tássia Regino
PS:
Quando estava concluindo este texto vejo a noticia da morte de Rubem Alves,
outra pena de primeira. Um grande escritor, mas essencialmente um educador, ele
dizia que "a
primeira tarefa da educação é ensinar a ver. "
Estes
dias, a terra ficou mais pobre e o céu mais rico. Acho que Deus está organizando
uma Festival de Cultura: alem deles, Ivan Junqueira, Nadine Gordimer, Johnny
Winter, Vange Leonel, Tommy Ramonne. Agradecimentos pelo que nos
proporcionaram
ALEGRIAS
DA PATERNIDADE
João
Ubaldo Ribeiro
Tenho
certeza de que inventaram esse negócio de Dia dos Pais, Dia das Mães, Dia dos
Namorados e assemelhados com o exclusivo propósito de atanazar o juízo do grupo,
numeroso porém desprezado, em que me integro, ou seja, o dos que acham essas
datas apenas ocasiões para exercícios de sadomasoquismo e solapamento da já
combalida estrutura familiar. Sei de dezenas e dezenas de namoros acabados e
casamentos atormentados porque um infeliz se esqueceu de uma dessas datas. (As
infelizes, curiosamente, não costumam esquecer-se — deve ser algum golpe delas;
está fora da moda, mas mandam os antigos não menosprezar o Eterno Feminino, os
antigos sabiam das coisas.) Eu mesmo só lembrei que hoje é Dia dos Pais (escrevo
com cruel antecedência, é bom sempre observar) porque andei folheando uma
agenda.
Queridos confrades, pais, que nos espera hoje? As possibilidades
são infindas, mas há categorias em que a maior parte pode ser enquadrada, sob
diversos critérios. Penso primeiro (dei muito para pensar em velho ultimamente,
bandeira grande) nos avôs, que, como as avós, reúnem todas as forças para não
meter a mão na cara do centésimo sujeito que o chama de "pai duas vezes",
achando que está fazendo um comentário original e engraçadíssimo. E, claro, com
heróicas e escassíssimas exceções, os dessa faixa já chegaram ao doloroso
estágio em que todo mundo manda, menos eles, e muito menos neles
mesmos.
— Vô, vamos almoçar fora em sua homenagem. Aonde o senhor quer
ir?
— A uma churrascaria. Uma churrascariazinha, há muito tempo que não
vou.
— Churrascaria? Mas nunca! O senhor já se esqueceu do colesterol,
esqueceu a angioplastia? O senhor não se quer bem, mas nós queremos bem ao
senhor!
— Então por que perguntam?
— É porque hoje é seu dia,
paizão, é tudo para seu bem-estar e felicidade.
Claro, vão levá-lo ao
restaurante de não-fumantes em que servem saladas de aspecto malevolente e onde
vão deixar — fantástica colher de chá, tudo para a felicidade dele — que ele
tome um copinho de vinho, daquele branco doce que a Eulália, sua nora mais
carinhosa, adora. E virão os brindes, todos sublinhando, com inquietante ênfase
numa convicção obviamente falsa, os muitos e muitos outros dias dos pais que
ainda se celebrarão na companhia do homenageado. E, na seqüência de tributos que
lhe serão prestados, consentirão que fique na sala até a hora do "Sai de baixo",
pois normalmente é forçado a ir dormir depois do "Fantástico", não só porque o
médico aconselhou, como porque, e principalmente, a velha (que fuma e dorme na
hora em que quer) tem ciúme das pernas da Marisa Orth.
Quanto às ganas de
pisotear e jogar no vaso o celularzinho indecifrável que lhe deram, passam logo
no dia seguinte e ele dá o celular ao neto, o que, aliás, era o verdadeiro
objetivo do presente.
Sejamos igualmente solidários para com os pais
separados. Normalmente, domingo já é dia de pai separado sair com os filhos, a
maior parte comendo apaixonadamente pizza fria e indo a lugares de cuja
existência jamais tomaria conhecimento, se não fosse pai separado.
Pai
junto pode bocejar e dizer ao moleque que vá pastar, vá surfar ou vá para um
quarto acusticamente isolado, caprichar no progresso de sua surdez heavy metal.
Mas pai separado tem gravíssimos encargos, notadamente se se filia à escola
entusiástico-companheirona, que implica risos alvares, gritos de "vamos lá,
filhão!", trajes grotescos, músculos e juntas aos frangalhos, papos de homem
para homem em que o homem acaba sendo o filho e pedidos gaguejantes a senhoras
desconhecidas, para que levem a filha ao banheiro feminino. Para não falar nos
presentes, todos escolhidos a dedo pela ex-mulher entre tudo o que ele não
gosta, preferivelmente algo que o presenteador exija que ele use na hora, como
um par de óculos escuros de boiola e um walkman vermelho e azul, do tamanho e
peso de uma bateria de automóvel.
Os prejuízos para as finanças
familiares são às vezes consideráveis. Um amigo meu festejou durante um mês a
excursão à Europa, para ele e a patroa (sozinho não tem graça e, embora tenha
tido que passar a maior parte do tempo em lojas e ouvindo comentários sobre como
Florença realmente é uma bela cidade, mas enche o saco logo e o comércio é
péssimo, não chega aos pés de Miami, conseguiu, afinal, viajar para fora do
país), para em seguida descobrir a chegada dos carnês de pagamento da agência de
turismo, todos em seu nome, é claro. Claro, sim, ele tinha dinheiro guardado, a
vida é curta, por que se privar de um sonho só para conservar os trocados da
velhice? E ele não reclamou, tem umas duas músicas compostas e vai ver se
descola uma vaga no Retiro dos Artistas.
De minha parte, sofro grandes
sobressaltos com os anúncios de televisão, principalmente os dos aparelhos de
ginástica (venho murchando a barriga com afinco desde que me lembraram a chegada
do dia de hoje, espero escapar) e, nas raras vezes em que o controle está sob
meu controle, mudo de canal. Mas é a velha paranóia, na verdade não tenho muito
o que temer. Vou ganhar uma bermuda e um par de sandálias, se bem que minhas
camisas de ir à Academia "estão uma vergonha" e talvez eu receba novos
instrumentos de estrangulamento parcelado. Nada como a alegria do Dia dos Pais.
Pelo menos quando se é dono de shopping ou churrascaria, imagino
eu.
Texto extraído do livro “O Conselheiro Come” Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro, 2000, pág. 163