25/03/2013

Toda Poesia - Paulo Leminski


A colaboradora desse blog Tássia Regino, comenta o livro Toda Poesia – Paulo Leminski:

 Vocês sabiam que um livro de poesia, de um poeta brasileiro, desbancou a looonga supremacia de Cinquenta Tons de Cinza, pelo menos na rede de Livrarias Cultura ?
Pois é ! O Livro Toda Poesia – Paulo Leminski, antologia da obra do poeta curitibano que foi lançada mês passado assumiu nesta semana o primeiro lugar no ranking dos livros mais vendidos na Cultura. Não é demais ? Tudo bem que não foi em todas as livrarias brasileiras, mas já é um começo !
E melhor ainda é que um amigo meu viu o livro, lembrou das muitas alegrias e algumas tristezas compartilhadas, em que os poemas do Leminski inspiravam a nossa tropa, e me deu o livro de presente !
Amei ! O livro foi produzido pela viúva de Leminski, a também poeta Alice Ruiz, e Sofia Mariutti, a editora da Companhia das Letras e reúne pela primeira vez, e em um só volume (424 páginas), 600 poemas do Leminski, que prá mim é um dos maiores poetas brasileiros.
Ficou lindo ! Claro que eu ainda não li tudo, mas já resolvi dividir com vocês o presente ! Como já mandei Leminski várias vezes, desta vez, escolhi os menos conhecidos, incluindo engraçados. Alguns deles têm especialmente a ver comigo como Cesta Feira (assim com c), que homenageia Oxalá (como eu, que sempre uso branco às 6ª) e Desmontando o frevo (que homenageia o querido frevo da minha terra). E um deles tem muito a ver com esta rede de Boa Semana: “vão é tudo/ que não for prazer /repartido prazer /entre parceiros”
Paulo Leminki (1944-1989)
Mas além das inéditas, juntei duas que já devo ter mandado e que estão aqui em homenagem ao meu amigo arquiteto que me presenteou, como a que diz: “Quem dera eu achasse um jeito/ de fazer tudo perfeito,/feito a coisa fosse o projeto /e tudo já nascesse satisfeito”. Tem coisa mais a cara de arquiteto ???
Espero que vocês gostem e se inspirem no Leminski para ter uma ótima semana. E lembrem do meu mantra que ele fez poema: “prá que cara feira ? Na vida, ninguém paga   meia !
      Tássia Regino

POEMAS E HAI KAIS DO LEMINSKI
HEXAGRAMA 65
Nenhuma dor pelo dano.
Todo dano é bendito.
Do ano mais maligno,
nasce o dia mais bonito.
1 dia,
1 mês, 1
ano

a vida é as vacas
que você põe no rio
para atrair as piranhas
enquanto a boiada passa

a vida varia
o que valia menos
passa a valer mais
quando desvaria

Viver é super difícil
o mais fundo
está sempre na superfície

Das coisas 
que fiz a metro
todos saberão
quantos quilômetros
são
Aqueles em centímetros
sentimentos mínimos
ímpetos infinitos não

Nada tão comum
que não possa chamá-lo
meu
nada tão meu
que não possa dizê-lo
nosso
nada tão mole
que não possa dizê-lo
osso
nada tão duro
que não possa dizer
posso

Nada foi
feito o sonhado
mas foi bem vindo
feito tudo fosse lindo

existe um planeta 
perdido numa dobra
do sistema solar

aí é fácil confundir
sorrir com chorar

difícil é distinguir
esse planeta de sonhar


Quem nasce com coração?
Coração tem que ser feito.
Já tenho uma porção
Me infernizando o peito.

Com isso ninguém nasça.
Coração é coisa rara,
Coisa que a gente acha.
E é melhor encher a cara.

Tudo me foi dado.
Nada me foi tirado.
O que um dia foi meu
nunca vai ser passado.


vão é tudo
que não for prazer
repartido prazer
entre parceiros
vãs
todas as coisas
que vão


um bom poema
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto

Cesta feira
 cesta feira:
cesta feira
oxalá estejam limpas
as roupas brancas de sexta
as roupas brancas da cesta
oxalá teu dia de festa
 cesta cheia
feito uma lua
toda feita de lua cheia
no branco
lindo
teu amor
teu ódio
tremeluzindo
se manifesta
 tua pompa
tanta festa
tanta roupa
na cesta
cheia
de sexta
oxalá estejam limpas
as roupas brancas de sexta
oxalá teu dia de festa


Desmontando o frevo - Paulo Leminski
 desmontando
o brinquedo
eu descobri
que o frevo
tem muito a ver
com certo
jeito mestiço de ser
um jeito misto
de querer
isto e aquilo
sem nunca estar tranqüilo
com aquilo
nem com isto

de ser meio
e meio ser
sem deixar
de ser inteiro
e nem por isso
desistir
de ser completo
mistério

eu quero
ser o janeiro
a chegar
em fevereiro
fazendo o frevo
que eu quero
chegar na frente
em primeiro

en la lucha de clases
todas las armas son buenas
piedras
noches
poemas

Quem dera eu achasse um jeito
de fazer tudo perfeito,
feito a coisa fosse o projeto
e tudo já nascesse satisfeito.
Quem dera eu visse o outro lado,
o lado de lá, lado meio,
onde o triângulo é quadrado
e o torto parece direito.
Quem dera um ângulo reto.
Já começo a ficar cheio
de não saber quando eu falto,
de ser, mim, indireto sujeito.

Meu pitaco> A Tássia, como toda boa pernambucana, é um agitadora e instigadora cultural. Tão logo li seu e-mail, fui pesquisar Paulo Leminski, morto por uma cirrose aos 44 anos.  

Aqui jaz um poeta.
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito, 
São suas obras completas.


 Genial !

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