04/04/2011

Balanço da blogagem coletiva pela abertura dos arquivos da ditadura militar


por Niara de Oliveira*
para o Acerto de Contas
A iniciativa de fazer uma campanha na internet pela abertura dos arquivos da ditadura militar surgiu logo após entrevistar Criméia Almeida e Suzana Lisbôa, da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos – elas vieram a Pelotas em novembro de 2009 para participar do ato de lançamento do livro Dossiê Ditadura: Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil (1964-1985) promovido pelo Instituto Mário Alves – IMA.
Antes da entrevista eu havia lido algumas matérias do jornalista Mário Magalhães na Folha de São Paulo, sobre o “trâmite” dos arquivos secretos a partir do governo Fernando Henrique Cardoso, quando a Lei da Anistia completou vinte anos e os arquivos poderiam ser disponibilizados ao público. Ao invés de abrir os arquivos, FHC criou uma lei que instituía o “sigilo eterno” para os arquivos com o carimbo “ultrassecreto”.
Essa lei foi mantida por Luis Inácio Lula da Silva e na época da visita de Criméia e Suzana a Pelotas, o governo federal estava veiculando na mídia a campanha Memórias Reveladas, onde cinicamente pedia ajuda à população para encontrar informações sobre cidadãos – relegados ao esquecimento através da prática cruel do desaparecimento político – que desapareceram sob a tutela do Estado. Fui para a entrevista munida dessa indignação e querendo saber como os familiares dos mortos e desaparecidos se sentiam com esse verdadeiro deboche do Estado brasileiro com sua dor. O resultado pode ser visto na entrevista que gerou a primeira blogagem coletiva em janeiro de 2010.
Com medo de publicar a entrevista num blog tão pouco visitado – nessa época o Pimenta com Limão tinha algo em torno de 50 visitas diárias – e ser hackeada por uma brigada de direita e defensora do golpe de 64 que atua na internet, escrevi a dezoito blogueiros com quem tinha contato diário via twitter e ofereci a entrevista, que seria assinada por um heterônimo meu – Pedro Luiz Maia – e seria publicada simultaneamente por todos no mesmo dia e horário, em 12 de janeiro às 14h. Apenas catorze blogs aderiram à proposta sendo que dois publicaram com atraso. Mais tarde, outros três blogueiros ao ver a campanha na rede também aderiram.
Nessa campanha pedíamos a abertura dos arquivos e a punição dos torturadores – a ADPF 153 ainda não tinha sido julgada pelo STF – e muitos desses blogueiros que apoiavam a candidatura de Dilma Rousseff à presidência não quiseram mais se envolver com medo que isso repercutisse mal para a candidata da situação por ter sido ela presa, torturada e “beneficiada” pela Lei da Anistia.
Recolhi as armas e esperei o julgamento do STF, mesmo que sempre manifestasse minha opinião nas redes. O STF estendeu a anistia aos torturadores – institucionalizando a tortura no país – e veio a campanha presidencial e a baixaria que todos fomos testemunhas. Depois veio a posse e qualquer movimento que pudesse tumultuar ou questionar a postura de Dilma – ministra da Casa Civil e, portanto, chefe maior do Arquivo Nacional – antes da posse era mal visto.
Chegou janeiro de 2011 e a primeira blogagem ia completar um ano e achei que não poderia passar em branco. Rascunhei uma proposta de blogagem coletiva e repassei ao Raphael Tsavkko que complementou o texto, procurei e encontrei um chargista para fazer um desenho da presidenta Dilma carimbando os arquivos como públicos e colocamos a segunda blogagem coletiva no ar. A proposta era que cada blogueiro produzisse um texto inédito (estilo artigo) e divulgasse nas redes junto com a hastag durante dez dias no final de janeiro deste ano.
Dessa vez tivemos a adesão de quase vinte blogs, renovando em mais de 90% o grupo que aderiu à primeira. Mudamos a hastag para #desarquivandoBR, criamos um twibbon (assinatura para incluir junto a foto no avatar das redes sociais) e os participantes sugeriram que retomássemos a campanha nos dias do aniversário do golpe.
Então, no dia 28 de março iniciamos a terceira blogagem coletiva pelo desarquivamento do Brasil que se estendeu até ontem, 03 de abril. A proposta agora era entrevistar pessoas que viveram o regime de exceção, familiares de mortos e desaparecidos, ex-torturados, jornalista que tenham trabalhado na época, biógrafos de guerrilheiros e, principalmente, lembrar os desaparecidos para que de alguma forma não deixar esse crime (desaparecimento) impune.
Para minha surpresa, boa parte dos vinte blogs que aderiram na segunda edição da campanha em janeiro sequer se manifestaram nas redes ajudando a divulgar os textos participantes da terceira edição. Tivemos em torno de 25 blogs participantes (dos que divulgaram a adesão) e pelas minhas contas a renovação dos blogs participantes ficou em torno de 70% com relação a segunda. O Raphael Tsavkko colocou o #desarquivandoBR em vários blogs mundo afora através do Global Voices, onde seu texto publicado em português no dia 31 de março foi traduzido para o inglês, grego, russo, chinês e espanhol.
Preciso registrar e agradecer em especial a participação intensa de dois blogueiros que além de produzirem textos inéditos dentro das propostas apresentadas para essa edição, reproduziram textos que saíram na imprensa em seus blogs e nas redes sociais. São eles o Pádua Fernandes do blog O Palco e o Mundo (cinco posts) e o Mário Lapolli do blog Ousar Lutar, Ousar Vencer! (em torno de seis post com a hashtag) que foram incansáveis durante essa semana e junto comigo e o Tiago Aguiar, floodamos (tweetamos demais sobre o mesmo assunto) nossos twitters.
Buenas, neste balanço geral das três primeiras blogagens coletivas pela abertura dos arquivos da ditadura militar brasileira ficaram algumas lições.
1) Mesmo entre ativistas de esquerda o assunto não parece tão importante quanto deveria ser e o fato de sermos o único país do cone sul que viveu ditadura militar patrocinada pelos EUA e ainda não passou sua história a limpo, incomoda, mas não o suficiente para desacomodar e mobilizar;
2) Apesar da campanha estar crescendo e o número de blogs participando aumentar a cada edição, os blogs participantes alteram muito de uma edição para outra – os três únicos blogs participantes das três blogagens foram o Pimenta com Limão, o Blog do Limarco e o Blog do Tsavkko;
3) O componente político partidário eleitoral momentâneo influencia demais na participação dos blogs numa campanha que deveria ser princípio e questão de honra para todo ativista de esquerda brasileiro em memória dos que morreram combatendo a ditadura;
4) O fato da ditadura brasileira ter desencadeado todas as outras no cone sul e ter ligações comprovadas com os EUA pode explicar o “desinteresse” em abrir os arquivos secretos;
5) Quanto mais difícil fica essa luta mais me mobilizo para continuá-la.
A partir das lições que ficam dessa experiência, proponho desde já realizarmos a quarta, quinta, sexta… blogagem coletiva até que os arquivos secretos da ditadura sejam públicos e não exista mais nenhum desaparecido político do período 1964-1985. Além disso estou propondo que desde já organizemos atos públicos (que não precisam exatamente reunir grande números de pessoas, podem ser instalações nos pontos de maior movimento das cidades) no dia 13 de dezembro – aniversário do AI-5 que originou a ampla maioria das mortes e desaparecimentos da ditadura militar.
Por fim deixo a lista dos blogs que participaram dessa terceira blogagem coletiva:
Cão Uivador
,
Ruminando Ideias
,
Dêiticos,
Dispersões Delírios e Divagações,
Blog do Prof. Julio Sosa,
Jornalismo B,
Blog do Mello,
Cheque Sustado,
Na Roda Viva,
As agruras e as delícias de ser,
Blog do Velho Comunista,
Mobilização BR,
Sem Juízo
,
Olho de Corvo,
Estado Anarquista
,
Um lugar de mato verde…,
Rocirda Demencock,
Sociologia do Absurdo,
Juntos Somos Fortes,
Blog do Chico,
Comunica Tudo,
A Navalha de Dali
,
O Inferno de Dandi
,
Acerto de Contas,
Borboleta nos Olhos.
Além dos já citados Blog do Tsavkko, Ousar Lutar Ousar Vencer!, O Palco e o Mundo e do Pimenta com Limão e do Bidê Brasil, Coisas da Tamonca e Imprensa Nanica que colocaram os banners. O blog Cinema e Outras Artes escreveu um excelente texto dentro do período mas não colocou banner e nem se referiu à campanha, mas como o Maurício Caleiro participou da primeira blogagem lá em 2010, o estou citando também. (Se esqueci algum blog é só dar um grito que incluímos na lista, ok?)
Nunca seremos uma nação verdadeiramente soberana e democrática enquanto não passarmos nossa história a limpo e os torturadores da ditadura militar permanecerem impunes. Precisamos abrir os arquivos da ditadura com urgência, para que nenhum pai ou mãe morra sem encerrar seu luto, saber em que circunstância o Estado brasileiro assassinou seu filho e sem enterrar seus restos mortais.
Não há dignidade nessa falsa paz que a Lei da Anistia promoveu e onde apenas um lado daquela guerra suja foi punido – o mais fraco. Para que possamos hoje punir com rigor os crimes de tortura praticados Brasil afora, teremos que limpar esse lodo jogado na nossa história por um bando de militares fascistas, descompensados e fanáticos que se acharam acima do bem e do mal, dispondo sobre a vida de quem queriam e como queriam. Eles continuam soltos por aí, posando de cidadãos de bem e ainda se sentem no direito de comemorar o golpe de 64, ocupando a lacuna deixada pelo governo que não cumpre o seu papel e faz questão de “esquecer” as atrocidades cometidas.
É preciso ainda lembrar que o poder de abrir os arquivos da ditadura, de classificar os ditos arquivos secretos como públicos compete única e exclusivamente à presidenta Dilma Rousseff, que além de tornar esses arquivos públicos deve, enquanto governo, um pedido formal de desculpas ao país e às famílias dos mortos e desaparecidos. Espero sinceramente que Dilma faça o que FHC e Lula não tiveram coragem de fazer.
Esse é o sentido dessa luta.
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* Niara de Oliveira é jornalista.
http://twitter.com/nideoliveira71
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http://pipocacomentada.wordpress.com/

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