Manifesto do Saci
Um espectro ronda a indústria da cultura. Como já ocorrera
durante a I Guerra Mundial – quando os chamados “ povos civilizados” se matavam
entre si nos campos da Europa, como lembra Monteiro Lobato em seu Inquérito,
escrito em 1917 –, o espectro do Saci voltou para dar nó na crina das potências
que invadem os outros países com uma “indústria cultural” predadora e
orquestrada.
O
Saci é reconhecido como uma força da resistência cultural a essa invasão. Na
figura simpática e travessa do insigne perneta, esbarram hoje, impotentes, os
x-men, os pokemon, os raloins e os jogos de guerra, como esbarravam ontem patos
assexuados e ratos com orelhas de canguru.
É
tempo, pois, do Saci expor abertamente seus objetivos, lançando um manifesto e
denunciando o verdadeiro espectro: o espectro do imperialismo cultural. Para
tanto, outros expoentes do imaginário cultural brasileiro – como o Boitatá, a
Iara, o Curupira e o Mapinguari – reuniram-se e redigiram o presente manifesto.
A
cultura popular é um elemento essencial à identidade de um povo. As tentativas
insidiosas de apagar do imaginário do povo brasileiro sua cultura, seus mitos,
suas lendas, representam a tentativa de destruir a identidade do nosso país. A
história de todas as culturas até hoje existentes é a história de opressores e
oprimidos. Hoje, como ontem, o Saci apóia, em qualquer lugar e em qualquer
tempo, qualquer iniciativa no sentido de contestar a arrogância, a prepotência
e a destruição de que é portadora a indústria cultural do império.
O
Saci não se reivindica como símbolo único e incontestável da cultura popular
brasileira. O Saci trabalha pela união e pelo entendimento das várias
iniciativas culturais que devolvam ao nosso povo a valorização de sua
identidade cultural. O Saci não dissimula suas opiniões e seus objetivos e
proclama, abertamente, que estes só podem ser alcançados por um amplo movimento
de resistência cultural, denunciando os malefícios da indústria cultural
imperialista. Que ela trema à idéia de uma resistência cultural popular. Nesta,
o Saci nada tem a perder a não ser seus grilhões. E tem um mundo a ganhar.
Sacis
de todo o Brasil, unamo-nos!
SOSACI
Manifesto Antropófago revisitado
Qualquer semelhança com o Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, do ano de 1928, não se trata de mera coincidência!
Só o saci nos une. Sacialmente. Etnicamente. Culturalmente. No ano 449 da deglutição do Bispo Sardinha em Piratininga, e 75 anos após o lançamento do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, os saciólogos desta terra vão, aos pulos, convergindo em torno da única lei justa do mundo globalizado. O saci resgata nossa identidade, nossas raízes, o xis da questão tupi. Contra todas as catequeses do Império só nos interessa o que não é deles. A lei do saci.
Estamos fatigados de todos os colonialismos travestidos de drama roliudiano. O cinema americano devorando corações e mentes. Demente. No país onde dá status ter casa em Maiami e comprar em sales com 20% off. Estacionar no valet parking e pedir comida delivery. Por isso fazemos eco ao brado oswaldiano, contra todos os importadores da consciência enlatada. Oswald ainda grita, resquícios do nheengatú ecoando ao longe. Nunca admitimos o nascimento de Jeca Tatu entre nós. Só que o Jeca de Lobato resiste. Ele resiste ao Pato Donald, aos Poquemons, ao Raloim, às bruxas do Bush.
O
instinto do Saci. Só Saci. Um Saci contra as histórias do homem que começam no
Cabo Canaveral. A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de
televisão. E os transfusores de sangue. Das veias abertas da América Latina.
Antes dos norte-americanos ocuparem o Brasil, o saci já tinha descoberto a
felicidade. Definida pela sacizidade de um antropófago, o próprio Saci. A
transfiguração da Abóbora em carne seca.
Antropofagia. Absorção do inimigo abóbora.
A
nossa independência já foi proclamada no 7 de Setembro, em São Luís do
Paraitinga. Expulsamos o imperialismo travestido de globalização hegemônica.
Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada em Washington e Londres ,
a realidade sem complexos e sem penitenciárias do saciarcado de Pindorama.
São Luis de Paraitinga, 31 de outubro de 2003, ano da deglutição final da abóbora
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